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Brotos de maconha sentados ao lado de frasco de remédio prescrito

O risco de interação entre a cannabis e os medicamentos para o câncer

Com o aumento dos locais onde o uso medicinal da cannabis é viável e o crescimento das pesquisas científicas sobre o tema, várias dúvidas surgem a respeito de como as substâncias presentes na planta podem ser úteis para lidar com a evolução de um câncer.

Não por menos, evidências mostram que o número de pacientes utilizando derivados da cannabis é cada vez maior. No entanto, tal opção muitas vezes ignora o risco de possíveis interações com os medicamentos para o câncer de mama cujo uso já está estabelecido há mais tempo.

A evolução da prescrição da cannabis com fins terapêuticos

As plantas do gênero cannabis são velhas conhecidas da humanidade. Há séculos, elas são cultivadas e utilizadas para diversos fins, incluindo uma série de possibilidades terapêuticas. Em muitos casos, o potencial disso ainda não é bem compreendido pela medicina, o que pouco a pouco está mudando.

Boa parte desses possíveis efeitos benéficos se dá a partir de duas moléculas presentes na planta: o canabidiol, também conhecido como CBD, e o tetrahidrocanabinol, chamado de THC. Este segundo é o responsável pelo “barato” durante o uso recreativo da maconha, mas também vem apresentando algumas aplicações, como o combate a quadros de dor e insônia.

De qualquer forma, embora o uso desses elementos venha sendo liberado em várias localidades mundo afora, as regras ainda são bem restritas. No Brasil, por exemplo, a comercialização de preparados farmacêuticos à base de cannabis foi autorizada apenas em 2019. O processo exige receituário especial com a devida retenção de receita, entre outros requisitos.

O uso de cannabis por pacientes com câncer de mama

Diante de todas as evidências, em determinados contextos pacientes com câncer de mama parecem estar explorando os potenciais da planta e seus derivados para gerenciar sintomas das neoplasias, bem como efeitos colaterais do tratamento.

Exemplo disso está em um estudo publicado em 2022, que coletou dados junto a pacientes que haviam sido diagnosticados com câncer de mama nos últimos cinco anos. Do total de 612 participantes, 42% (257) relataram ter usado a cannabis para lidar com determinados desconfortos. Entre eles estavam:

  • dores (78%);
  • insônia (70%);
  • ansiedade (57%);
  • estresse (51%);
  • náuseas e vômitos (46%).

Do total dos entrevistados, 79% usaram a planta em conjunto com tratamentos sistêmicos (quimioterapia, hormonioterapia etc.), radioterapia ou cirurgia para combater o tumor. Contudo, apenas 39% relataram isso a seus médicos.

As possibilidades de interações da cannabis com os medicamentos para câncer

O uso da cannabis (ou de qualquer outro medicamento, substância ou suplemento) durante e depois do tratamento de um câncer de mama apresenta riscos.

Ainda que possam existir alguns benefícios, o que predomina são as lacunas no conhecimento disponível. As mais relevantes incluem:

  • interações com outros medicamentos, incluindo aqueles utilizados para combater o tumor;
  • falta de dados que possam antever combinações indevidas da cannabis com outras substâncias;
  • ausência de informações sobre o impacto dessas abordagens no longo prazo.

Para tentar melhorar o grau de evidências sobre o tema, um trabalho abordando a questão foi apresentado na edição de 2024 da Sociedade Norte-Americana de Oncologia Clínica (Asco).

No estudo, pesquisadores norte-americanos entrevistaram indivíduos tratando um câncer (15% do total dos casos era de neoplasias na mama) para coletar informações sobre quais medicamentos eles estavam utilizando. No total, 318 pessoas responderam um questionário sobre o tema.

Desse montante, 61 (pouco menos de 20%) relataram estar utilizando a cannabis no momento das perguntas. A partir disso, um software analisou as respostas para cruzar os dados e identificar potenciais interações medicamentosas. Ao todo, foram mapeadas 412 possibilidades:

  • em 71% das interações medicamentosas com cannabis foram com medicamentos para outras condições que não o câncer;
  • 17% das internações elas aconteceram com medicamentos de venda livre.
  • 10% estavam relacionadas justamente com agentes anticâncer.

Adicionalmente, a análise identificou várias interações medicamentosas de gravidade moderada, com destaque para o paracetamol (acetaminofeno), em 9,5% dos episódios, a dexametasona, em 8%, e a ondansetrona, em 6,3%.

Com relação aos componentes quimioterápicos, o maior potencial de risco envolvia o paclitaxel (4%) e a doxorrubicina (2%).

Logo, esses resultados destacam que se a cannabis é frequentemente utilizada por pacientes com câncer para aliviar sintomas, é indispensável levar em conta a suas possíveis interações com outros medicamentos e como isso pode alterar a eficácia dos tratamentos ou aumentar o risco de efeitos adversos.

Leia também: Os benefícios da meditação para pacientes diagnosticadas com câncer de mama

O que médicos e pacientes precisam levar em conta no uso desse recurso

Acima de tudo, quem cogita ou já usa a cannabis e seus derivados depois de um diagnóstico de câncer de mama deve ter ciência de que nenhum componente presente na planta é capaz de curar a doença, nem substituir tratamentos convencionais.

Além disso, é fundamental ser transparente sobre o uso da alternativa junto aos profissionais de saúde responsáveis pelo acompanhamento do quadro. São eles que vão orientar sobre os riscos e os benefícios dessa opção, bem como identificar possíveis interações com os medicamentos para o câncer.

Adicionalmente, cabe sempre ressaltar que as evidências sobre como a cannabis pode ajudar na jornada do paciente diagnosticado com um tumor ainda são pequenas. A maioria delas restringe as possibilidades ao controle de enjoos e vômitos desencadeados pelos medicamentos empregados na quimioterapia.

Por falar nisso, aproveite para saber mais sobre o que é possível esperar dos efeitos colaterais após a primeira sessão de quimioterapia.

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