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Manipulando gene em laboratório

Mutação no gene TP53, síndrome de Li-Fraumeni e o risco de câncer de mama

*Mais de 50% de todos os tumores diagnosticados em humanos apresentam mutações somáticas no gene TP53, alterações que são adquiridas durante a formação do câncer.

No entanto, apesar de raras, as mutações também podem ser hereditárias, que é o caso de aproximadamente 0,03% da população mundial, e causarem a síndrome de Li-Fraumeni, condição genética associada a uma maior incidência de diversos tipos de tumor.

No Brasil, existe ainda uma exceção: a mutação fundadora p.R337H, presente em 1 a cada 375 pessoas da população do Sul e do Sudeste, elevando localmente o número de portadores.

Em mulheres, a modificação desse gene está associada a um risco maior de desenvolvimento de câncer de mama, inclusive em jovens.

Por isso, vale a pena compreender tudo o que se sabe sobre mutações no TP53 e o que pode ser feito diante dessa alteração.

Como mutações no gene TP53 aumentam o risco de câncer

O gene TP53 é frequentemente chamado de “guardião do genoma” devido ao seu papel fundamental no reparo do material genético. Isso significa, em resumo, que sua função principal é o reparo do DNA.

Se o dano é irreparável, ele induz a autodestruição da célula (processo chamado de apoptose) para evitar mutações permanentes. As alterações deste gene ou mutações patogênicas são hereditárias.

Quando um dos pais é portador de uma mutação no TP53, cada filho tem 50% de probabilidade de herdá-la. É importante ressaltar que nem todos os portadores necessariamente desenvolvem câncer, mas o risco é significativamente maior em comparação à população geral.

Contudo, a presença de uma variante patogênica (ou seja, de uma mutação) no gene TP53 compromete o sistema de proteção descrito. Sem ele, as células danificadas continuam a se dividir descontroladamente, acumulando mais mutações e aumentando drasticamente o risco de se transformarem em uma lesão maligna.

Essa disfunção está na base do surgimento de um câncer em qualquer parte do corpo e explica por que mutações no TP53 são encontradas em mais da metade de todos os cânceres humanos.

No contexto específico do câncer de mama, mutações no TP53 estão associadas a tumores com tratamento mais difícil e pior prognóstico, incluindo maior chance de recidivas e metástases.

O que é a síndrome de Li-Fraumeni

A síndrome de Li-Fraumeni é uma condição genética rara causada justamente por mutações no gene TP53. Foi descrita nos anos 60, após médicos observarem famílias com múltiplos casos de cânceres diversos em pessoas jovens.

Portadores apresentam risco vitalício extremamente alto e precoce para qualquer tipo de câncer (90% a 100% em mulheres e 70% a 75% em homens), incluindo sarcomas, tumores do SNC, carcinoma adrenocortical infantil, leucemias e outros malignos menos comuns.

Especificamente do câncer de mama, as chances são de 80% a 90%, com idade média entre 30 e 33 anos.

As evidências sugerem que o Brasil tenha um maior número desse tipo de alteração que a média da população mundial, por conta da composição genética da população, como um estudo sobre o tema destaca.

Além da presença da mutação no gene TP53, os critérios para esse diagnóstico necessariamente incluem:

  • o diagnóstico de um sarcoma (um tipo de câncer) antes dos 45 anos;
  • um parente de primeiro grau (pais, irmãos, filhos) com qualquer tipo de câncer antes dos 45 anos;
  • um parente de primeiro ou segundo grau (avós, tios, primos) com qualquer câncer antes dos 45 anos ou sarcoma em qualquer idade.

Diante da síndrome de Li-Fraumeni, não é raro que vários casos de câncer se repitam na mesma família, inclusive em pessoas muito jovens (antes dos 30 anos).

Vale ressaltar que nem toda mulher portadora de uma alteração no gene TP53 necessariamente apresenta a síndrome de Li-Fraumeni.

O preenchimento de critérios clínicos específicos descritos acima é indispensável para o diagnóstico. Isso significa que indivíduos talvez carreguem a mutação sem manifestar a síndrome na sua apresentação “clássica”, mas ainda tendo o risco aumentado para determinados tipos de câncer.

Estratégias para mitigar os riscos nessas circunstâncias

Assim como outras mutações, a alteração no gene TP53 pode ser identificada por meio do teste genético. Ele costuma ser indicado sempre que há suspeita de uma variante patogênica. Portanto, é importante para investigar casos da síndrome de Li-Fraumeni na família ou diante de um diagnóstico de câncer em idade precoce.

Seja como for, as evidências disponíveis indicam que uma mulher com tal mutação tem um risco de 50% de desenvolver um câncer de mama até os 40 anos e de 80% a 90% até os 70 anos. Como referência, na população feminina como um todo, esse número é pouco maior que 10%.

Diante disso, essas pacientes devem ser orientadas sobre uma série de estratégias para prevenir e identificar de forma ágil qualquer suspeita. Para isso, pode ser necessário:

  • reforçar um estilo de vida saudável, que influencie nos fatores de risco modificáveis da doença (não fumar, evitar o álcool, controlar o peso etc.);
  • iniciar o rastreamento de um câncer de mama muito antes do que é indicado para outras mulheres. A ressonância magnética de mama anual costuma ser indicada a partir dos 20 anos (ou 5 anos antes do caso mais jovem da família);
  • considerar a necessidade de uma mastectomia profilática, que é uma decisão delicada e deve ser discutida cuidadosamente junto ao mastologista, levando em conta idade, histórico familiar, desejo reprodutivo e aspectos psicológicos;
  • realizar ressonância de corpo inteiro anual para flagrar tumores em outros órgãos;
  • evitar radioterapia;
  • em crianças, realizar ultrassom abdominal e avaliação neurológica periódica;
  • passar por um aconselhamento genético e planejamento familiar;
  • testar familiares de primeiro grau;
  • para casos de fertilização in vitro, fazer um diagnóstico genético pré-implantacional para evitar transmissão da mutação.

Além do câncer de mama, a mutação do gene TP53 e a síndrome de Li-Fraumeni aumentam a predisposição para outros tipos de câncer (como no cérebro, em tecidos moles, nos ossos, no pâncreas e no trato colorretal). Com isso, medidas personalizadas para reforçar tal acompanhamento também são pertinentes.

Antes de ir embora, saiba por que é recomendada a avaliação de risco para o câncer de mama a partir dos 25 anos.

Médica mastologista especializada em reconstrução mamária. Além de sua prática clínica, Dra. Brenda atua como mastologista no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, é preceptora da residência médica de Mastologia na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP) e membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia. | CRM-SP 167879 / RQE – SP Cirurgia Geral: 81740 / RQE – SP Mastologia: 81741

ps.in@hotmail.com

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